terça-feira, 23 de junho de 2009

A ORIGEM E A HISTÓRIA DA RECICLAGEM NO MUNDO

A ORIGEM E A HISTÓRIA DA RECICLAGEM NO MUNDO

Era a década de 1940 e o mundo se deparava com um de seus piores conflitos – a Segunda Guerra Mundial. Após o ataque a Pearl Harbor e a entrada dos Estados Unidos no front, à economia norte-americana voltou-se totalmente para a produção bélica. Fora dos campos de batalha, a população civil empenhava-se em suprir a indústria de matérias-primas escassas e altamente necessárias como borracha, metais, papel, madeira, latas e tecidos. Nos países envolvidos no conflito – o Brasil inclusive – campanhas governamentais incentivavam os cidadãos a doar jornais velhos, panelas, vasilhames de leite, restos de alumínio, pneus, enfim, tudo que pudesse ser reutilizado para o esforço da guerra.

O estímulo à reciclagem de materiais durante a guerra foi excepcional, porém, não era estranho à cultura do século 20. No período anterior ao boom econômico que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, não existia o consumo em massa e bens hoje fartamente adquiridos eram raros.

Ao fazer a pesquisa para o seu livro Waste and want: a social history of trash, a professora de história Susan Strasser se surpreendeu com a resistência da sociedade norte-americana do início do século 20 em se livrar de seus pertences velhos, hoje considerados inúteis.

Seja devido às dificuldades econômicas da época, seja pela vida difícil daquela primeira geração de imigrantes ou o sucesso do comércio de material usado, o fato é que não se jogava nada fora. As pessoas compravam alimentos por volume e não em pacotes, faziam sopa com os restos das refeições, fabricavam brinquedos de caixinhas velhas de papelão e sobras de pano, consertavam tudo que pudesse ser reutilizado e, em último caso, queimavam o que não tinha mais função para manter as casas aquecidas.

“Mesmo os cidadãos das classes mais abastadas não viam nada demais em negociar trapos e sobras de tecidos com os mascates em troca de bules de chá ou botões”, escreve a escritora. “O comércio regional, nacional e internacional de trapos era muito ativo porque se tratava de matéria-prima necessária na indústria de papel”. Ela cita também a importância dos catadores: “Crianças faziam biscate vendendo o que encontravam pelas ruas como: pedaços de lona, tiras de metal, carvão e garrafas de vidro”.

Tudo isso mudou com o extraordinário desenvolvimento econômico e de novas tecnologias que se seguiram ao após-guerra. De 1950 para cá, o PIB não só dos Estados Unidos, mas de todos os outros países, aumentou consideravelmente – como também o número de veículos, os bens de produção e de consumo, os eletrodomésticos, as construções, os mercados e a população. Pela primeira vez no mundo, um número cada vez maior de pessoas passou a ter condições de adquirir bens e serviços cada vez mais diversificados, facilitando o acesso a uma maior quantidade e qualidade de produtos por uma parte maior da sociedade.

Durante mais de duas décadas de prosperidade que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial, não fazia sentido reutilizar o que havia sido comprado se a maior parte dos bens era produzida rapidamente e a preços relativamente acessíveis. Quando não eram mais necessários, itens comuns, como roupas, utensílios domésticos e refrigeradores, eram simplesmente jogados fora e substituídos por outros novinhos em folha. A troca passou a ser incentivada à medida que promovia o crescimento da máquina industrial e se criavam mais empregos. Guardar coisas velhas ou reutilizar produtos tornou-se antiquado e fora de moda.

A cultura de bens “descartáveis”, porém, criou inúmeros problemas, que começaram a se tornar evidentes na década de 1970, à medida que o movimento ambientalista ganhava força e a reciclagem se tornava novamente uma idéia sensata. A questão era como conciliar a cadeia produção-consumo em um mundo no qual o crescimento da população havia aumentado a níveis exorbitantes o uso da água, a produção de alimento, a extração de madeira e o aproveitamento de fibras, metais e combustíveis. Em 1962, o livro A primavera silenciosa da norte-americana Rachel Carson causou polêmica ao expor os perigos da poluição, questionando de forma eloqüente a confiança cega da humanidade no processo tecnológico.

No início da década de 1980, o economista Ignacy Sanchs, fundador do Centro Internacional sobre Pesquisa e Meio Ambiente em Paris, desenvolveu o termo ecodesenvolvimento como uma alternativa de desenvolvimento a longo prazo, baseado em três princípios: eficiência econômica, justiça social e sustentabilidade ecológica. Ele propôs que cada região do planeta buscasse soluções específicas para seus problemas, levando em conta os dados ecológicos, culturais e as necessidades imediatas e de longo prazo. E sugeriu que a sustentabilidade ecológica só poderia ser alcançada com a limitação do consumo dos recursos fósseis e de produtos facilmente esgotáveis ou ambientalmente prejudiciais; com a redução do volume de resíduos e de poluição, por meio da conservação e reciclagem de energia e recursos; e a autolimitação do consumo material pelos países ricos e pelas camadas sociais privilegiadas em todo o mundo.

O QUE FAZER COM OS RESÍDUOS

As discussões resultantes mostraram a necessidade de regulamentar e tornar mais eficiente à cadeia de produção, revendo os padrões de exploração dos recursos renováveis e não renováveis e seus efeitos sobre o solo, o ar, as fontes hídricas, a biodiversidade e o clima. Na outra ponta da cadeia, levando-se a questão do que fazer com a enorme quantidade de material descartado após o consumo. As montanhas de lixo geradas pela sociedade se tornaram um pesadelo em todos os grandes centros urbanos.

É bem verdade que o lixo não era um problema novo. Pode-se dizer que a necessidade de se livrar dos restos de alimentos e outros materiais, bem como do esgoto, já era motivo de discussão desde a Grécia Antiga. As pesquisas indicam que, no ano 500 a.C., a cidade de Atenas criou o primeiro lixão municipal, exigindo que os detritos fossem jogados a cerca de 2 quilometros das muralhas que a cercavam. Muito mais tarde, a vida nas cidades medievais implicou no contato com dejetos, carcaças de animais, restos de alimentos acumulados nas ruas, sobre os quais se era obrigado a caminhar ao mesmo tempo em que se sentia um cheiro não muito agradável.

A situação melhorou muito com o desenvolvimento de novas tecnologias e as técnicas de gerenciamento urbano nas grandes metrópoles que deram origem a práticas sanitárias sistemáticas e serviços amplos e regulares de coleta de lixo. Como resultado, já em fins do século 19, residências, comércios e indústria passaram a guardar os resíduos em latas ou contêineres, mantidos fora das vistas das pessoas para serem recolhidos por um serviço que ainda hoje tenta operar sem chamar muita atenção, geralmente à noite. Esse serviço, bem como a disposição final do material, funcionava mais ou menos eficientemente até que a produção em larga escala e os hábitos da sociedade de consumo tornaram a limpeza pública, incluindo a coleta, o transporte e a disposição final no lixo, um desafio de proporções excepcionais. Com a escalada da industrialização, milhares de toneladas de resíduos químicos e de esgoto passaram a ser lançados nos rios e lagos ou enterrados sem processos de neutralização de seus efeitos nocivos. Os rejeitos tiveram que ser levados para mais longe à medida que os depósitos urbanos excediam sua capacidade de absorção de material.

A questão adquiriu contornos econômicos, tanto quanto ambientais e sociais. Em 1987, foi notícia a via-crúcis da barcaça Mobro 4000, que saiu de Nova York cheia de lixo para ser incinerado em outro estado norte-americano. Depois de percorrer toda a costa e ter sua entrada recusada, chegando até Belize, na América Central, a barcaça retornou ao porto de partida e o lixo foi incinerado mesmo em Nova York, dando início ao movimento a favor da reciclagem dos anos de 1990 nos Estados |Unidos.

Naquele mesmo ano de 1987, a preocupação com os efeitos ou impactos ambientais decorrentes da ação do homem ganhou força com a divulgação do relatório Nosso Futuro Comum, elaborado por um grupo de especialistas sob a coordenação da então primeira ministra da Noruega, Clo Brutland, a convite da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento tornou conhecido o conceito de desenvolvimento sustentável, ou seja, que o crescimento econômico sem a melhoria da qualidade de vida das pessoas e da sociedade não era real.

O relatório foi considerado um marco na abordagem de questões mais amplas sobre a qualidade ambiental. Outro marco foi à assinatura do Protocolo de Montreal, naquele mesmo ano, tratado que buscava eliminar o uso de substâncias químicas empregadas em geladeiras e outros produtos domésticos. Tais substâncias, chamadas de CFCs (clorofluorcarbonos), quando liberadas no ambiente provocavam reações moleculares na alta atmosfera, destruindo a camada de ozônio e colocando em risco a vida humana.

NASCE O CONCEITO DE RECICLAGEM

O conceito de desenvolvimento sustentável preconiza a importância de atender às necessidades atuais com o compromisso de que as gerações futuras tenham recursos naturais para fazer o mesmo. Sob essa ótica, foram reexaminadas as conseqüências da chuva ácida, do aquecimento global, da destruição da camada de ozônio, da desertificação e da extinção das espécies, entre outras. E, nas discussões que se seguiram, vários países criaram leis específicas, visando controlar a instalação de novas indústrias, além de estabelecer exigências para as emissões, efluentes e resíduos que pudessem prejudicar a natureza e a vida humana.

Fora do âmbito oficial, movimentos sociais nasceram para tentar resolver problemas ambientais originados de demandas localizadas. O Brasil ganhou manchete nos jornais pela divulgação dos dados de desmatamento da floresta amazônica e a morte do seringalista Chico Mendes, tornando-o protagonista obrigatório nessa discussão, o que veio a influenciar a sua escolha como sede da segunda grande conferência mundial sobre meio ambiente, a Rio 92.

Nessa perspectiva, a palavra reciclagem voltou a fazer parte do vocabulário no dia-a-dia na década de 1990. Não nos mesmos moldes do início do século 20 ou do período da Segunda Guerra Mundial, mas levando em conta essas preocupações mais recentes. A partir da iniciativa de alguns países, como Japão, Alemanha e Canadá, ganhou força o conceito dos três Rs – reduzir, reutilizar, reciclar. Traduzindo significa reduzir a geração de resíduos mediante novos hábitos na hora da compra e técnicas industriais; reutilizar embalagens e outros produtos de uso cotidiano, retardando o descarte; e por fim, reciclar o material descartado após o consumo, transformando os seus componentes em matéria-prima industrial para a fabricação de novos produtos.

A origem do conceito de reciclagem está presente na própria natureza. Todas as plantas e animais mortos apodrecem e se decompõem. Nesse processo, são destruídos por larvas, minhocas, bactérias, fungos e os elementos químicos ajudam a enriquecer a terra de nutrientes que vão contribuir para que um novo ciclo de vida se inicie. É uma maneira natural de reutilização de matéria e tratamento de lixo. Significa que cada elemento depende do outro para a sua existência. Ou seja, nenhum ecossistema produz resíduos, já que os restos de uma espécie são o alimento da outra e circulam contínua e infinitamente pela teia da vida.

Ao aplicar esse princípio à sociedade industrial, produtos feitos pelo homem como carro, computadores, armários, canetas, xampus, panelas, enfim, a infinidade de objetos que fazem parte do nosso cotidiano são um pedacinho da natureza transformada. E tanto quanto possível devem ser reutilizados. Ao fabricar mercadorias, portanto a indústria deve prever os custos ambientais e antever as necessidades reais de sua utilização, levando essa responsabilidade a todo o ciclo de vida do produto. O resultado final pode ter seus componentes transformados para servir a um novo ciclo de produção. Assim, os critérios para diminuir o lixo e a poluição passam a ser determinantes tanto para as empresas como para o poder público.

O desafio da retro alimentação do sistema – ou a devolução das matérias-primas à natureza -, no entanto, ainda não foi totalmente assimilado. É o que diz o relatório Avaliação do Ecossistêmica do Milênio, divulgado em 2005 pela ONU. Segundo esse relatório, “as atividades humanas estão exaurindo a função da terra de se auto-regenerar, a ponto de tornar uma incerteza a capacidade dos ecossistemas de sustentar as gerações futura”. O relatório diz que é preciso mudar políticas de governo e padrões de produção e consumo. E acrescenta que a maior consciência da população é essencial para a humanidade reverter esse quadro. Em busca de soluções, a reciclagem dos materiais descartados após o consumo, voltando ao ciclo produtivo, passou a ser uma iniciativa-chave para proteger o meio ambiente

FONTE: RECICLAGEM ONTEM, HOJE, SEMPRE

EDIÇÃO - CEMPRE

3 comentários:

  1. Um texto que nos faz pensar em como somos analfabetos no que diz respeito ao cuidado com nosso planeta.....parabéns, um conteúdo extraordinário!!!!

    ResponderExcluir
  2. Qual o nome do autor desse artigo? E que eu queria utilizá-lo no meu TCC. Obrigada.

    ResponderExcluir
  3. Qual o nome do autor desse artigo? E que eu queria utilizá-lo no meu TCC. Obrigada.

    ResponderExcluir